Josefa Neto
53 anos
Nasceu em Luanda, Angola, e vive há 28 anos em Queluz
Josefa é cozinheira e proprietária do restaurante Catete Njila, no centro de Queluz. O restaurante tem um ano de existência, e é um projeto seu e da filha.
Josefa nasceu e cresceu em Luanda, Angola. Aos 25 anos emigrou para Portugal. “Os meus pais são Angolanos – nasceram em Angola e nunca de lá saíram.”
“A juventude Angolana daquela altura [1994] estava toda a vir para Portugal, era aquela onda...(…) Vim com ideias de ficar aqui três anos, trabalhar, juntar algum dinheiro e voltar. Mas fui levando, levando (sic), mandei buscar as minhas filhas que tinham ficado em Angola… e acabei ficando.” Segundo Josefa, naquela época, ganhava-se melhor em Portugal. Diz que vir para Portugal naquela altura era “o sonho dos Angolanos” – mas também afirma que nunca “quiseram ser mesmo emigrantes, nem fixar residência no exterior. (…) Mas muitos vão para experimentar, depois constituem família e já não regressam. ”
Não foi só uma questão económica: Josefa deixa Angola depois de viver a violência dos confrontos armados de 1992 entre a UNITA e o MPLA. “Um ano depois das eleições, houve lá uma confusão… Ainda apanhámos aquilo, ainda tivemos de andar [escondidos] debaixo das camas, por causa das balas [perdidas]. Mesmo em Luanda! Foi quando [os partidários da UNITA] não aceitaram os resultados das eleições. (…) Ainda senti isso na pele. Porque em Angola havia guerra, mas era mais no sul!”
Trazer ambas as filhas para Portugal foi um processo que demorou dois anos. Josefa emigrou para Portugal em situação ilegal – primeiro teve que se legalizar, e só depois pôde solicitar o chamado “reagrupamento familiar”. As filhas só chegariam a Portugal em 2001
“Quando cheguei a Portugal fui primeiro viver para os Fetais [Concelho de Loures], e depois fui morar para a Amadora. Fiquei muitos anos na Amadora!”
Ao chegar a Portugal, trabalhou durante alguns anos como copeira num hotel em Lisboa – a lavar a louça “desde manhã até à noite, não parava!” Dai passou para uma cervejaria em Carnaxide, já como ajudante de cozinha. Continuou durante anos a trabalhar na área da restauração, sempre no mesmo cargo, até que decidiu fazer o curso de Cozinha e Pastelaria num centro de formação na Pontinha – de maneira a especializar-se e a ganhar um pouco mais.
Mas Josefa já sabia cozinhar muito antes disso. “Aprendi a cozinhar em Angola. (…) A culinária Angolana e a Portuguesa, porque também se come muitas receitas portuguesas em Angola! (…) Temos a Feijoada à Transmontana, as Caldeiradas, o Bacalhau com Todos, aquele que se come no Natal…”
Mas as especialidades de Josefa são os pratos Angolanos: “Funge com bagre fumado, carne seca com muteta… E as moambas, mas isso já são os pratos básicos (risos).”
Mesmo ao fim de tantos anos, recorda: “É estranho, uma pessoa sentir-se emigrante. Por melhores que sejam as condições que a pessoa tenha… Nós lá [em Angola] tínhamos muitas dificuldades, mas tínhamos também aquele calor, a família, os amigos, a nossa infância… Tudo o que é nosso!”
Fala também com saudade da grande celebração do Carnaval em Luanda, e das pequenas festas dos “discotequeiros” (sic), os Djs locais da sua geração. “Eu tenho um irmão que era DJ e ele tocava em festas. A juventude organizava festas de contribuição, em datas históricas como no Dia da Juventude Angolana , o 14 de Abril. E no Dia da Independência!”
Também recorda o sabor diferente da comida em Luanda – onde se estende o pano no chão para as refeições e “para se apreciar melhor o funge, lava-se as mãos e come-se à mão. Ou comprar a comida que as senhoras confecionam e vendem na rua! Sabe a outra coisa!”
“Se desse para voltar a viver em Angola… Eu gostava! Mas não me sinto confortável, devido à situação [de violência] que se vive lá. Quando eu emigrei, não havia tanto luxo em Angola. Mas agora vive-se ainda pior em Angola. A cidade de Luanda encheu muito. Devido à guerra as populações do sul, das províncias, concentraram-se todas em Luanda, em fuga da guerra – e depois não regressaram mais [ao seu local de origem]. É muita gente junta, não há emprego para toda a gente
Josefa mora em Queluz há doze anos, num prédio da Avenida Miguel Bombarda. Mas já antes frequentava a zona: “Quando nós chegámos a Portugal, nos anos 90, havia uns restaurantes ao pé da estação [de Queluz - Belas] onde toda a malta Angolana se concentrava. Sobretudo no «Trinitá», que já fechou”.
Hoje em dia, afirma, o ponto de encontro da comunidade Angolana em Queluz é mesmo o Catete Njila.
Gosta de viver em Queluz, porque “aqui temos todos os serviços perto. Na minha rua tenho a conservatória, as finanças, farmácia, os correios, supermercados, talhos… Queluz está bem servido a nível de comércio. E de transportes! Temos transportes para todo o lado, para Cascais, para Lisboa…”
E do que gosta menos do seu bairro? Responde que não gosta “daqueles grupinhos de jovens...há muitos jovens na rua, de madrugada. Criam confusão, depois vem a polícia... E isso representa uma certa insegurança.” Josefa acredita que a solução passa por inserir estes jovens na sociedade. “Não sei se por falta de trabalho… Muitos vêm de boas famílias, e são levados na onda dos amigos.”
Um dos lugares de que mais gosta em Queluz é o Parque Felício Loureiro, onde costuma passear. Josefa pertence à Associação dos Bombeiros Voluntários de Queluz, que apoia e que considera muito importante para a cidade.
“Eu não me sinto estrangeira. Eu acho que o ser humano nasceu na face da terra – então ele deve escolher o lugar para viver, isso não deve ser imposto. (…) Isso é uma questão de integração. Nós quando emigramos também temos de nos inserir na sociedade em que estamos, numa cultura diferente… Temos que nos inserir. Mas há as barreiras… O país de acolhimento também tem de ser flexível.”