Alberto Antas
101 anos
Nasceu, cresceu e sempre viveu no Bairro do Chinelo, em Queluz
O Sr. Alberto foi sempre conhecido em Queluz por “Saltão” – aliás, já o pai e avô eram conhecidos por “Saltão”.
Nasceu no Bairro do Chinelo em 1921. Já os pais eram do bairro, e no ano em que nasceu Queluz era sobretudo campo, “terra saloia”.
A avó de Alberto tinha um “casal” (quinta com casa agrícola) , o “Casal dos Afonsos”, do outro lado do atual IC19. Perto ficava a “Quinta do Buchas”, nome dado ao rendeiro da mesma.
Os avós do senhor Alberto “plantavam e vendiam (…) tudo quanto era preciso. Tinham animais, e eu também tratava dos animais, Tinham vacas, ovelhas, isso tudo. Comecei pequeno a ajudar a tratar dos animais.”
Complementavam a economia familiar com a caça: “Desde pequeno que fui caçador. Ia caçar aí para os montes. Eu e os meus colegas chegámos a apanhar vinte coelhos num dia. (…) Naquele tempo nem tinha espingarda, comecei a caçar com um pau e com os cães. Já tinha vinte e tal anos quando comprei a espingarda.”
“As pessoas trabalhavam no que havia. Uns aprendiam um ofício, outros iam trabalhar para o campo. Trabalhar [no campo] por conta de outros! Ia-se para a ceifa. Fiz altos “giros” (caminhadas) para Amadora e para a Brandoa, para apanhar erva para os animais. Agarrava numa foice – e lá ia o Alberto!”
Lembra-se de quando as ruas do Bairro do Chinelo não eram calçadas, mas em terra-batida. Havia no bairro duas padarias: uma na atual sede do GAVE, pertencente ao Tio João Alemão; e uma segunda mais acima, do António Padeiro. Havia duas vendas de secos e molhados, uma taberna e uma barbearia. Havia também a Sociedade (31 de Janeiro), que possuía uma banda filarmónica.
Era uma aldeia dentro da aldeia que era Queluz: “Antigamente, nos Quatro Caminhos [centro de Queluz] não havia nada. Havia o prédio onde está o talho… e os aquedutos. Depois é que começaram a construir, até à Estação [de Caminho de Ferro]. Havia até lá uma propriedade, de que muita gente não sabe, mas que era o Alto da Vargem. Tinha terra desde abaixo do talho até à Estação. Aquilo era tudo terras de semeadura por ali acima!”
“Onde é ali o jardim [Jardim Central de Queluz], era a Quinta Almeida Araújo… Antigamente ali não havia casas. Aquilo tinha um muro todo à volta até ao Casal do Choupo. Depois começaram a vender aquilo aos bocados… Até me parece, que foi o Conde Almeida Araújo que deu o jardim a Queluz.”
Fazia-se um mercado de gado mensal no Largo do Palácio, em frente ao Quartel. “Um mercado onde se vendia de tudo, mas onde se vendia também animais. Vendia-se touros, vendia-se tudo! (…) Eu ia com um senhor aqui do bairro, o Senhor Caetano, que era como se fosse meu pai, e eu ia ajudar. Lembro-me como se fosse hoje! Vinha gente de todo o lado. Era no fim do mês, mesmo!”
O Sr Alberto teve três charretes, que o próprio construiu. “Tinha eu seis anos e já passava aqui na estrada em frente a cavalo. (…) Eu gostava de cavalos, fazia empenho naquilo. O meu pai tinha [cavalos], comprava e vendia gado.”
Eram tempos de pobreza nos arredores de Lisboa, e muitos habitantes tinham de recorrer à caridade. “Toda a gente trabalhava! Alguns foram “criados” (sustentados) do rancho do
Quartel [de Queluz]. Para nós graças a Deus nunca foi preciso, e não é que eu fosse mais que os outros! Mas ia muita gente ao Quartel, até gente de fora, com uma latazinha ou uma panela. Enchiam-nas de comer e eles lá iam. Era assim na Amadora, no Cacém, na Carregueira. E quem precisava, tinha de lá ir!”
“As casas aqui no bairro, agora, são praticamente de cada um. Antigamente não! Havia casas que tinham 7 e 8 filhos em casa. (…) Aquela casa em frente a onde eu moro, a casa da Tia Dores, da Tia Rita, ali havia uns 7 ou 8 filhos na mesma [casa].”
“Eletricidade em casa? Não! Existia o candeeiro [de petróleo], uma vela…” Fala-nos de uma “candeia” – tabuleiro de forma retangular, com uma mecha em tecido, e que se enchia de azeite. Uma vez acesa, garante o Sr. Alberto, iluminava toda a noite. Quando casei [em 1947] ainda não havia aqui eletricidade.”