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As Cores e as Dores de África

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Com o final da Guerra Colonial (1961 - 1974) e a independência das ex - Colónias Portuguesas entre 1974 e 1976, regressaram a Portugal milhares de cidadãos Portugueses que viviam nos chamados territórios ultramarinos – sobretudo em Angola, Moçambique e Cabo Verde.

Apelidados de “retornados”, apesar de terem cidadania portuguesa, muitos nunca teriam estado alguma vez em Portugal Continental.

O processo de descolonização, repentino e desorganizado, criou um afluxo de imigrantes com e sem cidadania Portuguesa, provenientes das terras recém-libertadas.

Representando um dos maiores movimentos de população da Europa do século XX, sabe-se que pelo menos 600 000 destas pessoas se instalaram na Área Metropolitana de Lisboa.

Todos chegaram em fuga da violência da guerra, deixando para trás uma vida de haveres e de memórias. Pouco ou nada tinham de seu, e tiveram que começar a reconstruir as suas vidas do zerno numa terra estranha.

Tal como migrantes anteriores, muitos acabaram por se alojar em bairros degradados, ou em bairros suburbanos onde havia uma boa oferta de apartamentos de baixo custo construídos legalmente. Foi o que se verificou ao longo de toda a Linha de Sintra, incluindo Queluz – a qual era também apreciada pela proximidade com Lisboa e pela existência do transporte ferroviário direto para a capital.

Esta enorme vaga migratória foi integrada em setores de baixos salários e de mão de obra não qualificada. Enquanto os homens trabalhavam na construção e nas obras públicas, as mulheres trabalhavam em serviços domésticos, limpeza, restauração e hotelaria. Os imigrantes de origem Africana - de Cabo Verde, Guiné Bissau e Angola – concentravam-se sobretudo no mercado de trabalho pouco qualificado.

Ao longo dos anos 80 e 90, os conflitos armados que se desenrolaram em vários PALOP (Países de Língua Oficial Portuguesa), bem como a busca de melhores condições de vida levaram a que um fluxo constante de imigrantes provenientes das antigas colónias Portuguesas continuassem a chegar a Queluz. A adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986, acentuou ainda mais esta tendência.

Em 2001, 65,7 % dos estrangeiros na AML eram provenientes dos PALOP, entre os quais os cabo-verdianos foram sempre a maior comunidade, seguidos pelos angolanos e pelos guineenses (INE 2002).

Após décadas de trabalho e luta para encontrarem o seu lugar num mundo diferente, estes Africanos são agora avós, e marcaram o território de Queluz e Belas com as suas cores, os seus dialetos, os seus sabores e lugares.  








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Josefa Neto
53 anos

Nasceu em Luanda, Angola, e vive há 28 anos em Queluz



Josefa é cozinheira e proprietária do restaurante Catete Njila, no centro de Queluz. O restaurante tem um ano de existência, e é um projeto seu e da filha.

Josefa nasceu e cresceu em Luanda, Angola. Aos 25 anos emigrou para Portugal. “Os meus pais são Angolanos – nasceram em Angola e nunca de lá saíram.”

“A juventude Angolana daquela altura [1994] estava toda a vir para Portugal, era aquela onda...(…) Vim com ideias de ficar aqui três anos, trabalhar, juntar algum dinheiro e voltar. Mas fui levando, levando (sic), mandei buscar as minhas filhas que tinham ficado em Angola… e acabei ficando.” Segundo Josefa, naquela época, ganhava-se melhor em Portugal. Diz que vir para Portugal naquela altura era “o sonho dos Angolanos” – mas também afirma que nunca “quiseram ser mesmo emigrantes, nem fixar residência no exterior. (…) Mas muitos vão para experimentar, depois constituem família e já não regressam. ”

Não foi só uma questão económica: Josefa deixa Angola depois de viver a violência dos confrontos armados de 1992 entre a UNITA e o MPLA. “Um ano depois das eleições, houve lá uma confusão… Ainda apanhámos aquilo, ainda tivemos de andar [escondidos] debaixo das camas, por causa das balas [perdidas]. Mesmo em Luanda! Foi quando [os partidários da UNITA] não aceitaram os resultados das eleições. (…) Ainda senti isso na pele. Porque em Angola havia guerra, mas era mais no sul!”

Trazer ambas as filhas para Portugal foi um processo que demorou dois anos. Josefa emigrou para Portugal em situação ilegal – primeiro teve que se legalizar, e só depois pôde solicitar o chamado “reagrupamento familiar”. As filhas só chegariam a Portugal em 2001

“Quando cheguei a Portugal fui primeiro viver para os Fetais [Concelho de Loures], e depois fui morar para a Amadora. Fiquei muitos anos na Amadora!”

Ao chegar a Portugal, trabalhou durante alguns anos como copeira num hotel em Lisboa – a lavar a louça “desde manhã até à noite, não parava!” Dai passou para uma cervejaria em Carnaxide, já como ajudante de cozinha. Continuou durante anos a trabalhar na área da restauração, sempre no mesmo cargo, até que decidiu fazer o curso de Cozinha e Pastelaria num centro de formação na Pontinha – de maneira a especializar-se e a ganhar um pouco mais.

Mas Josefa já sabia cozinhar muito antes disso. “Aprendi a cozinhar em Angola. (…) A culinária Angolana e a Portuguesa, porque também se come muitas receitas portuguesas em Angola! (…) Temos a Feijoada à Transmontana, as Caldeiradas, o Bacalhau com Todos, aquele que se come no Natal…”

Mas as especialidades de Josefa são os pratos Angolanos: “Funge com bagre fumado, carne seca com muteta… E as moambas, mas isso já são os pratos básicos (risos).”

Mesmo ao fim de tantos anos, recorda: “É estranho, uma pessoa sentir-se emigrante. Por melhores que sejam as condições que a pessoa tenha… Nós lá [em Angola] tínhamos muitas dificuldades, mas tínhamos também aquele calor, a família, os amigos, a nossa infância… Tudo o que é nosso!”

Fala também com saudade da grande celebração do Carnaval em Luanda, e das pequenas festas dos “discotequeiros” (sic), os Djs locais da sua geração. “Eu tenho um irmão que era DJ e ele tocava em festas. A juventude organizava festas de contribuição, em datas históricas como no Dia da Juventude Angolana , o 14 de Abril. E no Dia da Independência!”

Também recorda o sabor diferente da comida em Luanda – onde se estende o pano no chão para as refeições e “para se apreciar melhor o funge, lava-se as mãos e come-se à mão. Ou comprar a comida que as senhoras confecionam e vendem na rua! Sabe a outra coisa!”

“Se desse para voltar a viver em Angola… Eu gostava! Mas não me sinto confortável, devido à situação [de violência] que se vive lá. Quando eu emigrei, não havia tanto luxo em Angola. Mas agora vive-se ainda pior em Angola. A cidade de Luanda encheu muito. Devido à guerra as populações do sul, das províncias, concentraram-se todas em Luanda, em fuga da guerra – e depois não regressaram mais [ao seu local de origem]. É muita gente junta, não há emprego para toda a gente

Josefa mora em Queluz há doze anos, num prédio da Avenida Miguel Bombarda. Mas já antes frequentava a zona: “Quando nós chegámos a Portugal, nos anos 90, havia uns restaurantes ao pé da estação [de Queluz - Belas] onde toda a malta Angolana se concentrava. Sobretudo no «Trinitá», que já fechou”.

Hoje em dia, afirma, o ponto de encontro da comunidade Angolana em Queluz é mesmo o Catete Njila.

Gosta de viver em Queluz, porque “aqui temos todos os serviços perto. Na minha rua tenho a conservatória, as finanças, farmácia, os correios, supermercados, talhos… Queluz está bem servido a nível de comércio. E de transportes! Temos transportes para todo o lado, para Cascais, para Lisboa…”

E do que gosta menos do seu bairro? Responde que não gosta “daqueles grupinhos de jovens...há muitos jovens na rua, de madrugada. Criam confusão, depois vem a polícia... E isso representa uma certa insegurança.” Josefa acredita que a solução passa por inserir estes jovens na sociedade. “Não sei se por falta de trabalho… Muitos vêm de boas famílias, e são levados na onda dos amigos.”

Um dos lugares de que mais gosta em Queluz é o Parque Felício Loureiro, onde costuma passear. Josefa pertence à Associação dos Bombeiros Voluntários de Queluz, que apoia e que considera muito importante para a cidade.

“Eu não me sinto estrangeira. Eu acho que o ser humano nasceu na face da terra – então ele deve escolher o lugar para viver, isso não deve ser imposto. (…) Isso é uma questão de integração. Nós quando emigramos também temos de nos inserir na sociedade em que estamos, numa cultura diferente… Temos que nos inserir. Mas há as barreiras… O país de acolhimento também tem de ser flexível.”



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Edmaya Correia
36 anos

Nasceu em Bissau, na Guiné-Bissau
Trabalha há 9 meses em Queluz


Edmaya é Guineense e responsável pela loja Beleza Shop Correia, junto à estação de comboios de Queluz.

O pai de Edmaya emigrou muito jovem para Portugal – tinha na altura 25 anos. Já tinha então três filhos com a mãe de Edmaya. Mãe e filhos ficaram em Bissau, e só mais tarde a família se juntou em Portugal. Edmaya tinha 9 anos quando chegou a Lisboa.

Os pais de Edmaya emigraram em busca de uma vida melhor. “Na verdade, o meu pai veio com a intenção de jogar futebol. E jogava muito bem! Mas não aconteceu, e ele teve de procurar outra vida, trabalhar. Começou por trabalhar nas obras, depois foi marinheiro.”

Uma vez reunida, a família instalou-se na Serra da Luz, na Pontinha, Lisboa. Mais tarde, mudaram para Odivelas, onde Edmaya e os irmãos terminaram a escola. Sentiu-se bem recebida: “Foi mais fácil, porque os meus pais já tinham uma casa, um lar.” E afirma que naquela época as pessoas era mais afáveis, tinham mais coração – hoje são mais frias. “Não há amor ao próximo”, acredita.

Edmaya conhece bem a zona da Linha de Sintra: viveu muitos anos em Rio de Mouro, e atualmente mora no Monte Abraão. Assumiu a gestão da loja, que na verdade pertence à sua tia, há 9 meses. Demorou a aceitar o desafio: “Eu ao princípio não queria. Principalmente aqui [junto à estação de comboios de Queluz]. Aqui há muitos problemas, muita confusão… (…) Mas depois pensei: não vou ver as coisas por esse lado. O que que quero é fazer a minha vida. (…) Se eu não me meter com ninguém, ninguém se mete comigo. Não tenho problemas!”

Em Queluz, gosta especialmente do Parque Felício Loureiro, onde costuma passear. “Eu e a minha irmã chamávamos-lhe «Parque dos Namorados» [risos]”.

Não lhe agrada a sujidade das ruas de Queluz. Mas ressalva: “Nós é que temos de cuidar! Não é o Governo nem o Estado, nem as pessoas que fazem a limpeza. Somos nós! (…) Tinhas algo na mão e caiu? Então apanha!

De Bissau, tem saudades sobretudo de uma infância livre, passada em brincadeiras de rua. “Entravas e saías numa casa [de um vizinho] à vontade! Ninguém dizia nada. (…) Se os pais se esqueciam de te chamar, ficavas na rua até sei lá quando… Era tranquilo. Mas hoje já não é assim...”

Edmaya nuca mais regressou à Guiné-Bissau. “Mas gostava muito de lá ir! E quando for, quero levar o meu filho. Ele diz que quer conhecer a Guiné, ele fala crioulo muito bem! Aprendeu com os meus pais.”.





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